28.10.12

Matéria sobre o uso do cobogó no jornal O Globo


 Muito legal ter o trabalho de tese doutoral consultado por jornalistas do sudeste do país, que trabalham o tema do cobogó, que investiguei me minha tese doutoral, "La consolidación de la arquitectura moderna en el nordeste brasileño".
Abaixo a matéria na íntegra:

O cobogó e a volta do borogodó

RIO — No efervescente Recife de 1929, o português Amadeu Oliveira Coimbra, o alemão Ernest August Boeckmann e o brasileiro Antônio de Góis, sócios numa fábrica de tijolos, uniram esforços para criar um recurso arquitetônico capaz de amenizar as altas temperaturas do Nordeste. O plano era projetar um elemento vazado que facilitasse a circulação de ar e filtrasse a entrada de luz natural. Depois de muitos cálculos, tentativas e erros, nasceu o cobogó, originalmente em forma de bloco quadrado, em concreto armado, com 50 centímetros de lado e furinhos de 10cm por 10cm. O nome sonoro é resultado da conjunção das primeiras sílabas dos sobrenomes de seus criadores: Co(imbra) + Bo(eckmann) + Gó(is).
Um dos primeiros a utilizar o cobogó, na prática, foi o arquiteto carioca Luiz Nunes (1909-1937), autor do projeto da caixa d’água de Olinda, construção equivalente a um prédio de seis andares toda rendada, de 1934. É considerada um marco na arquitetura moderna brasileira.
— Após realizar algumas obras em Recife, Luiz Nunes foi expulso da cidade pelo governo pernambucano, acusado de envolvimento com o movimento comunista. De volta ao Rio, ele se juntou a Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, que adotaram o elemento vazado. Logo o cobogó virou uma coqueluche nacional — explica a arquiteta pernambucana Alcilia Afonso, professora da Universidade Federal do Piauí e autora da tese “La arquitectura moderna em Recife en los años 50”, defendida em Barcelona.
Ícone dos anos 1950 e 1960, o cobogó acabou renegado nas últimas décadas (quando ficou escondido nas áreas de serviço) mas, agora, volta à cena com roupagem cool. Fabricado em cerâmica, porcelana, concreto, vidro e até mármore, o elemento figura em espaços nobres de residências, em releituras do design e das artes visuais e ainda com o status de peça de colecionar na prateleira de seus fãs.
O publicitário André Giancotti, de 32 anos, fez um único pedido à dupla de arquitetos Ricardo Melo e Rodrigo Passos ao encomendar um projeto para seu apartamento de 55 metros quadros, na Barra: uma parede de cobogós, do chão ao teto. Nascido em Monte Alto, interior de São Paulo, André passou uma temporada em Brasília, antes de se mudar para o Rio, e queria conviver diariamente com uma recordação da capital federal — onde eles são onipresentes.
— Em tempos práticos, quando os arquitetos só pensam em porcelanato, estava com receio de pedir os cobogós. Mas fizemos uma reunião, embalada a taças de vinho, e tomei coragem para fazer o meu pedido. O Ricardo e o Rodrigo aprovaram a ideia na hora e me passaram vários sites para a pesquisa de padronagens. Descobri que muitas fábricas voltaram a fazer os cobogós — conta o publicitário.
Desenho escolhido, os arquitetos optaram por derrubar metade da parede da cozinha para, na sequência, subir uma divisória de cobogós de porcelana e carinha vintage. No total, foram utilizadas 130 unidades, compradas numa fábrica de São Paulo — não chega a ser um recurso barato, na Light Floor, em Ipanema, que vende blocos da Elemento V semelhantes aos da casa de André, cada um sai por R$ 45. O projeto da Barra ficou pronto há dois meses.
— Fiquei feliz com o resultado, queria um apartamento com cara de casa, com cobogó, ladrilho hidráulico e piso de madeira no quarto. Reparo que os amigos cariocas que me visitam, no entanto, têm dificuldade de falar a palavra cobogó. É engraçado, o chamam de borogodó, de pogobol... Mas sempre elogiam a estrela do projeto — diz André.
Um paredão de cobogós circulares também é a vedete do apartamento dos recém-casados Celina Cantidiano e Rick de Miranda, de 31 e 42 anos, respectivamente, em Copacabana. No último ano, enquanto organizavam o casamento, a tradutora e o arquiteto reformaram o imóvel a fim de destacar os elementos vazados originais da fachada do Edifício Camargo, projetado por Oscar Niemeyer na década de 1950. Móveis de jacarandá, poltronas de pés-palito e arandelas retrôs foram escolhidos para compor o cantinho do cobogó.
— Fiquei louco quando entrei no apartamento pela primeira vez e me deparei com os cobogós. Estudo esses elementos desde que frequentava as aulas de Arquitetura na Universidade Santa Úrsula — conta ele. — Paginei a janela para destacar o cobogó. Quem tem cobogó não precisa de cortina. O resultado é totalmente contemporâneo.
Rick é um caçador de cobogós. Quando esbarra com um, fotografa com o iPhone e posta no Instagram. Em sua galeria de imagens, há mais de 20 endereços, da Zona Norte à Zona Sul. Os amarelos, azuis e verdes de três prédios na Rua General Dionísio, no Humaitá, foram suas últimas descobertas. O Parque Guinle, em Laranjeiras, é seu parque de diversões.
Erguido entre 1948 e 1954, o conjunto de edifícios projetado por Lúcio Costa (1902-1998) é um dos endereços que concentram o maior número de cobogós por metro quadrado no Rio.
— É uma das manifestações de arquitetura moderna mais inteligentes que existem no Brasil — afirma o arquiteto Jorge Hue, de 89 anos, recostado na janela do sétimo andar do número 70 do Parque Guinle, onde mora desde 1997, enquanto segura um bloco vazado quadrado, peça reserva da fachada de seu condomínio. — Olha que beleza a transparência do cobogó!
O cobogó na memória dos brasileiros
O cobogó faz parte da memória afetiva de muitos brasileiros. Para o empresário Nelson Fonseca, de 32 anos, o elemento arquitetônico remete imediatamente à infância.
— Os cobogós eram como Lego para mim. Brincava muito com eles na olaria da fazenda do meu avô, em Minas Gerais, e na fábrica de pré-moldados do meu pai, no interior do Rio — lembra Nelson, que estudou Arquitetura e Design de Interiores, mas resolveu trocar a prancheta pelas panelas e receitas, e virou sócio do bufê 3 na Cozinha.
No apartamento onde mora, em Copacabana, ele guarda três cobogós de cerâmica, de diferentes formas geométricas:
— Dei outras funções para eles: apoio para livros, porta-lápis e organizador de utensílios de cozinha.
Adepta da filosofia do “faça você mesmo”, a publicitária Vivi Visentin, de 37 anos, autora do blog Decorviva, é outra louca por cobogós que resolveu fazer uma leitura particular do bloco furadinho. Na falta de espaço para erguer uma parede assim em seu apartamento, em Laranjeiras, ela revestiu o box do banheiro com adesivos no shape. Foi um trabalho artesanal: a partir de um modelo capturado na internet, Vivi desenhou e cortou 70 elementos em contact azul. Da sala, a instalação faz a maior vista.
— Meu box era sem graça, como qualquer um, e os cobogós imprimiram uma textura ao blindex. Além disso, deu mais privacidade para quem toma banho. Me apropriei mais da estética do que da função original do elemento — ela explica.
Por sua vez, a empresária Bel Tinoco, de 38 anos, pegou emprestado o nome em si. Quando foi registrar sua firma de coordenação e produção de projetos (relacionados a design), em 2008, tascou Estúdio Cobogó.
— Você pode ver através do cobogó, e ele serve para passar luz, ar, enfim, coisas que são necessárias e causam uma sensação de bem-estar. Tem a ver com o que faço. Preciso ver através de todas as partes envolvidas nos projetos que coordeno e produzo — explica Bel. — Quando fui definir o nome, vi que tinha coerência com a minha história. Morei até os meus 20 anos em Brasília, e Recife é a terra da família do meu marido. Mas a minha paixão é pelos cobogós cariocas, de louça esmaltada, com cores típicas dos anos 50 e 60.
Sobre uma cômoda de pés-palito, dois cobogós amarelinhos aparam uma coleção de livros sobre o Rio. Acima, modelos de diferentes formas geométricas dividem espaço com objetos garimpados em antiquários da cidade em um nicho de madeira. Bel anda na rua mirando caçambas de entulho, material de demolição largado nas calçadas e obras:
— Uma vez, vi um boteco onde eu sempre paquerava os azulejos cafoninhas e cobogós em obras, em Botafogo. Os operários já estavam quebrando tudo, mas por sorte restavam alguns elementos vazados intactos. Tomei coragem, entrei no bar e convenci os caras a salvarem um cobogó para a minha coleção. Eles acharam muito estranho, mas foram gentis e ganhei um amarelinho lindo!
Dona da Editora Cobogó, dedicada a publicação de livros de arte e cultura, a cineasta Isabel Diegues, de 42 anos, tem um bloco filho único, que fica na estante de sua sala, no Jardim Botânico, ao lado de um “busto” da cantora Adriana Calcanhoto, uma das autoras da editora criada em 2008.
— O nome é sonoro e divertido, gostoso de pronunciar. No primeiro ano da editora, tive que soletrar ‘c, o, b, o, g, ó” muitas vezes ao passar o meu email profissional. Hoje sinto que o interesse pelo cobogó aumentou, ou pelo menos as pessoas descobriram do que se trata — ela conta. — Já pensamos em fazer um livro sobre os cobogós, claro, mas santo de casa... Enquanto isso, acompanhamos os alertas do Google para ter notícias de outras empresas homônimas. Outro dia apareceu uma boate em Brasília chamada Cobogó.
O fã-clube é eclético. Os prestigiados irmãos Fernando e Humberto Campana já se renderam aos encantos dele. Desenharam a Cobogó Table, exibida no Salão do Móvel de Milão, em 2009, e confeccionada em edição limitada para uma galeria de arte italiana. Por bandas brasileiras, a peça é praticamente desconhecida.
— Desde a infância, observo o cobogó nos fundos das casas dos vizinhos. É uma solução arquitetônica que me interessa pelo jogo de luz. Além disso, é importante revalorizarmos uma técnica genuinamente brasileira. Gostaria, agora, de desenhar um cobogó — planeja Fernando Campana.
Famosa por criar premiadas peças em marcenaria, a arquiteta Lia Siqueira introduziu a madeira nesse universo. Em peroba-do-campo, a Mesa Cobogó Copacabana compõe a decoração da sala de projetos de clientes ilustres de Lia, que guarda na própria casa o protótipo:
— Batizei a mesa de Cobogó por conta da memória visual que ela me proporcionou. Tudo está em paralelo na arquitetura: quando estava desenhando os elementos vazados do tampo, lembrei dos telhados coloniais de Ouro Preto e Paraty. Por muitos anos, tive casa em Paraty-Mirim. E o cobogó é isso, a repetição de desenhos vazados dos telhados das casas coloniais.
Uma reedição das treliças
A artista plástica Lucia Koch investiga questões relativas à luz, em diálogo com a arquitetura, através de instalações, e lembra que os cobogós reeditam as treliças utilizadas para “esconder” as mulheres no século XIX:
— O cobogó, porém, provoca mais vontade de olhar através. A estrutura vazada põe em maior contato o interior e o exterior do que uma divisória de vidro, por exemplo.
No recente “Mostruário-Espelhos”, da exposição “Materiais de construção”, que esteve em cartaz até o início deste mês na Nara Roesler, há uma releitura dos cobogós do Parque Guinle, os seus preferidos. As janelas dos edifícios projetados por Lúcio Costa também se fazem presente na instalação “Dein Spiegel”, exibida em Berlim, em 2006.
— Quando participei da Bienal de Istambul, em 2003, entrei de vez nessa atmosfera. Comecei a olhar com mais atenção para as superfícies vazadas da arquitetura otomana e a pesquisar as treliças mouriscas, passando pelas coloniais até chegar aos cobogós, um elemento popularizado que identifica a arquitetura brasileira. Até os não-arquitetos constroem casas com ele — analisa Lucia, que é fã dos cobogós do Instituto Moreira Salles (IMS), projeto de Olavo Redig de Campos (1906-1984).
A parede rendada do IMS, aliás, é unanimidade entre os cobogueiros. Ao lado do pau-mulato, plantado por Burle Marx no pátio interno da casa, o cobogó é o cenário mais fotografado pelos visitantes da antiga casa da família de Walter Moreira Salles (1912-2001).
Em agosto passado, a designer Tânia Piloto, de 28 anos, foi ao IMS pela primeira vez para ver a mostra “Raphael e Emygdio: Dois modernos no Engenho de Dentro”. Quando viu o cobogó, gamou: fotografou todos os ângulos.
— O cobogó me encanta porque faz parte de uma arquitetura feita para o nosso clima. Se usado da maneira correta, dispensa aparelhos eletrônicos como ar-condicionado. Para mim, rima com aconchego, sombra e beleza.
Se no passado os arejados projetos dos mestres do modernismo tiveram repercussão internacional, atualmente a Casa Cobogó está representando bem o Brasil lá fora. O projeto de Marcio Kogan e Carolina Castroviejo, do StudioMK27, é estampado em páginas de revistas especializadas. No último piso da residência, inaugurada em 2011 em São Paulo, o artista Erwin Hauer desenhou um elemento modular. É uma escultura de luz.
— É importante que os arquitetos voltem a buscar a simplicidade. Isso pode ser expresso no resgate de materiais e soluções simples que andavam esquecidas, como o cobogó — sugere Marcio

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/imoveis/o-cobogo-a-volta-do-borogodo-6556131#ixzz2AcmQjr9T
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2 comentários:

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